30 de setembro de 2025

Gilberto, da Charada, última videolocadora da perfiferia de SP, é destaque na Folha de S.Paulo

Saiu uma ótima matéria na Folhona de hoje sobre o Gilberto da Charada. Em breve, o doc "Rebobinando Memórias" (nome provisório) vem à luz, pela Murmur. Esperando ansiosamente. Participar desse projeto foi uma grande honra pra mim - Gilberto se tornou lenda não só por ser um sobrevivente cultural e agregar tanta gente em prol do cinema e da música independente, mas por ter um espírito livre de amarras e uma solidariedade e empatia natural, coias tão raras em nosso cotidiano atual. Vida longa à charada. A matéria, assinada por Alex Sabino, tá aí embaixo.

Dono da última videolocadora da periferia de SP diversifica para sobreviver e vira personagem cult

Charada está aberta há 30 anos no mesmo endereço em Sapopemba, na zona leste da capital

'Resistente', dono realiza show de rock, comédia stand up e mostra de cinema para gerar receita

Tudo o que Gilberto Petruche, 69, faz na vida tem um objetivo: manter aberta a sua videolocadora. Ele é casado e com filhos, mas diz que a Charada, no bairro de Sapopemba (zona leste de São Paulo) é sua casa e sua família.

"Eu posso estar em dúvida sobre tudo na minha vida. Mas quando estou aqui, só tenho certezas. É o meu lugar", afirma.

Com 30 anos de existência, trata-se da última videolocadora aberta na periferia da capital.

Homem de cabelos grisalhos e óculos está em pé no centro de uma sala com paredes cobertas por prateleiras cheias de fitas VHS organizadas. Ele veste camiseta preta com detalhes verdes e calça preta com faixa branca, calçando tênis branco. No chão, tapete redondo com texto e várias sacolas coloridas estão ao lado direito.
Gilberto Petruche, 69, dono da Charada Locadora, no subsolo da loja no bairro de Sapopemba - Rafaela Araújo/Folhapress

O desafio a cada mês é arrecadar o suficiente para manter o sonho vivo. Se sobrar algum dinheiro, ótimo. Se não, paciência. O importante é subir o portão de ferro e ficar atrás do balcão todos os dias para falar sobre seu acervo 15 mil DVDs e 6.000 VHS.

A meta é chegar a R$ 3.000 para pagar o aluguel, além das contas de luz e água. A média do número de locações por mês é de 15. Cada uma custa R$ 8, com direito de ficar com o filme por dez dias. São R$ 120 no total.

A dificuldade financeira não deixa de ser ironia para alguém que é economista, administrador de empresas e técnico em contabilidade.

"Antes, eu era funcionário de empresas, mexia com o dinheiro dos outros e era bom nisso. O problema é administrar o meu."

A locadora é um símbolo. Ela continua aberta porque Petruche sempre arruma novas maneiras de criar receitas. Vai a feiras e eventos para cinéfilos ou gamers. Converte VHS (e os limpa, se necessário) para DVD.

Realiza mostras de curta metragens, shows de comédia stand up e, há nove anos, recebe grupos de rock, MPB e jazz para apresentações que já reuniram cerca de 400 pessoas em um espaço em que só com esforço mental dá para imaginar que caibam mais de 100.

No próximo mês vai acontecer a 94ª edição do festival Idade da Terra em Transe. O nome é referência a Idade da Terra e Terra em Transe, dois filmes de Glauber Rocha, o cineasta favorito de Petruche.

Em eventos, as pessoas sempre compram algo na loja. Ele também vende cervejas, refrigerantes e comida.

Deus e o Diabo na Terra do Sol, outro longa-metragem de Glauber, é o favorito do dono da Charada. Petruche afirma que seu jeito improvisado e caótico de administrar a locadora e as próprias finanças é "glauberiana".

Toda sua vida como empreendedor no ramo de filmes aconteceu dessa forma. Quando quis abrir a loja, na década de 1990, e percebeu que o Sebrae não tinha muitos conselhos a lhe dar, decidiu descobrir por si mesmo. Viu um anúncio de emprego em que uma distribuidora procurava vendedor para oferecer filmes europeus a locadoras.

Parecia perfeito. Ele ganharia comissão, conheceria o mercado por dentro e trabalharia com cinema do Velho Continente, algo que adora. Quando chegou à entrevista, viu que eram produções da Europa, sim. Mas pornôs. Foi contratado.

Rejeitou oferta do irmão para abrir a locadora na Mooca (zona leste) porque queria em Sapopemba. Desejava tentar em um bairro de periferia. Difícil foi convencer o dono do imóvel a aceitar fazer o contrato de aluguel. Ele recusou quando ouviu como o imóvel seria usado.

"Vai ser uma locadora diferente. Vou trabalhar com filmes brasileiros, argentinos, uruguaios...", explicou.

Ele se lembra do proprietário arregalar os olhos com a perspectiva de calote: "Agora é que não vou alugar mesmo!", ouviu. Mas alugou e a Charada funciona no mesmo endereço desde a inauguração, em 1995.

Não existe um número oficial sobre o número de videolocadoras ainda abertas na cidade de São Paulo. O sindicato da categoria não existe mais. Petruche diz que são apenas quatro porque os proprietários costumam conversar, falam sobre isso em eventos, vídeos e podcasts e nunca nenhum outro comerciante do ramo se apresentou.

Até 2014, tudo funcionou bem. Sempre entrou mais dinheiro do que saiu. Em um final de semana (sexta, sábado e domingo) conseguia o dinheiro para pagar o aluguel. O restante deveria servir para fazer caixa. Mas para justificar a explicação de que administra melhor o dinheiro dos outros do que o próprio, ele reinvestia tudo na compra de novos filmes. Adquiria praticamente todos. Sempre odiou dizer para um cliente que o VHS ou DVD desejado estava alugado.

Quando saiu Titanic, encomendou 55 cópias. Lembra-se de as pessoas fazerem fila na porta. Era um tempo em que ele alugava 500 filmes por dia e, se o número caía para 350, começava a questionar se havia algo errado. Seu recorde foi 890.

Com o tempo, Petruche, assim como todo o mercado, foi engolido pelos serviços de streaming e downloads pela internet. Quando abriu a Charada, diz que existiam 20 outras videolocadoras no raio de um quilômetro. Hoje, está só.

"Não tenho nada de especial aqui. As paredes [do lado de fora] são pichadas e decidi que não ia pintar porque, se gastasse dinheiro com isso, deixaria de comprar filmes. Eu só sou uma pessoa que está resistindo", resume.

Resistir virou seu marketing pessoal e o veículo para a Charada sobreviver financeiramente. Pessoas saem do interior de São Paulo e de outros estados apenas para conhecer a loja. O comércio e seu dono viraram personagens de culto entre os amantes de cinema.

Um documentário ("Rebobinando Memórias" é o título provisório) está sendo feito sobre Petruche. O canal "Rinha de Cinéfilo" fez dele um dos seus personagens principais no Instagram e no TikTok. Quase todas as semanas estudantes de cinema ou colecionadores o procuram.

"Eu faço eventos para pagar as contas. Sinto muita pena de vender meus filmes. Eu não gosto de vender. Vendo porque preciso pagar aluguel", diz, em mais uma declaração rara para um comerciante, economista e administrador.

Ficar conhecido, mesmo que seja no seu nicho, causa-lhe sentimentos conflitantes. É o que ajuda a manter seu sonho funcionando e o faz ganhar dinheiro. Mas incomoda.

"Fico pensando como vou manter isso. Eu tenho um monte de problema, preciso fazer cirurgia [de catarata] e já tenho quase 70 anos. Eu às vezes questiono se está valendo a pena. Só que eu chego aqui [na loja] e mudo de ideia. Por isso que não passa pela minha cabeça fechar."

"Eu faço eventos de música, eventos de stand up, estou em documentários, rede social, tem gente que vem aqui e me chama de lenda. Tudo isso é para conseguir recursos para a Charada. Porque a única coisa que eu quero na minha vida é ser dono de videolocadora."

22 de setembro de 2025

Gonzaguinha 80

O Globo fez a matéria ontem, mas o aniversário do Gonzaguinha é hoje. 80 anos! O grande e autêntico compositor - que até hoje não foi totalmente decifrado pela mídia e pelo público - faleceu muito, muito cedo, com apenas 45 anos. Tem tanta coisa a se descobrir na discografia dele! Hoje mesmo, em homenagem ao seu aniversário, comecei a escutar sua porção menos óbvia, ali do começo dos anos 1970 até 1975, quando ele fazia uma mistura inusitada de baião, samba, folk brasileiro, com pitadas de clube da esquina e experimentações sonoras de estúdio. Percebi nuances que não tinha captado em outras audições. Gonzaguinha precisa ser descoberto pela nova geração, essa mesma geração que anda capturando joias do samba rock, da música black brasileira dos anos 1970, do sambalanço, da música paulistana da virada dos 70 pros 80. Gonzaguinha é único e não pode ficar no limbo por não ser decifrado como devia. A matéria que eu citei tá aí embaixo.



20 de agosto de 2025

Cartão-Postal com Aquarela de Paulo Gomes

 


Lindo esse cartão-postal que comprei numa simpática lojinha em Paraty. Essa bela arte é de autoria de Paulo Gomes, um aquarelista com 60 anos de carreira (!) que é especialista em 'plein air' (a arte de pintar ao ar livre). Fui pesquisar sua história e me deparei com uma boa matéria na Fundação Roberto Marinho, de 2024; dela, extraí esse pequeno perfil do artista (além de músico,Paulo morou um tempo com a sensacional e injustamente esquecida Rosinha de Valença!). Segue abaixo...

Trajetória artística

Paulo Gomes nasceu no Rio de Janeiro, em 1950, no bairro da Penha. Decidiu ser pintor aos 9 anos e, desde os primeiros desenhos e cursos, não mudou de ideia. Aos 18, descobriu a paixão pela aquarela ao cursar a Sociedade Brasileira de Belas Artes, no Rio de Janeiro. "A aquarela é uma arte que me desafia, porque não permite errar ou apagar", diz ele.

Além de pintor, Gomes  também é percussionista e vivencia intensamente o verbo "festar", do dialeto de Paraty. Sempre ligado à música, conta que, na juventude, dividiu um apartamento com a violonista Rosinha de Valença, e conviveu com grandes nomes da música brasileira como Gal Costa, Maria Bethânia, Leny Andrade e Paulo Moura. "O artista é artista porque tem pensamento, atitude e comportamento de artista. Não é o que ele faz que o torna artista. Tudo o que faço, me proponho a fazer com arte", diz.

Entre os desafios da aquarela e do desenho técnico, especializou-se em cartografia mineral, traçando mapas do fundo do mar para empresas multinacionais, ao mesmo tempo em que aprimorava suas aquarelas. Em 1974, viajou para Paraty e se encantou com a atmosfera artística e boêmia da cidade, famosa como reduto de intelectuais e pintores modernistas como Djanira. Aos poucos, conectou-se com artistas locais, galeristas, e foi acolhido pelas famílias da região. Vendo em Paraty a oportunidade de viver de sua arte, estabeleceu-se na cidade em 1980.

Aos 74 anos, pai de quatro filhos e avô de oito netos, Paulo Gomes celebra sua jornada artística que, embora envolva outras paisagens e lugares mundo afora, tem Paraty como cenário mais frequente. “Essa exposição é um reconhecimento da minha história com a cidade, que acima de tudo é um lugar onde gosto de estar, afinal, ninguém fica onde não gosta”, diz. Quando não está em alguma esquina com seu cavalete, ele pode ser visto nos bares, tocando com amigos, ou no Atelier da Casa da Árvore, refúgio suspenso que construiu durante a pandemia.

Na aquarela do Brasil de Paulo Gomes tem samba e pandeiro e uma paleta de sensações em que arte e ritmo se encontram em harmonia.

(p.s. do Massolini: que quiser entrar em contato com o artista, o e-mail dele está na segunda foto lá em cima).

7 de agosto de 2025

Na Flip 2025

                       Minha visão do Ruy Castro em sua palestra na Flip, à beira da porta de entrada

Eu e a tropa aqui de casa (com a sempre presente sogra, claro), esticamos até a Flip 2025, que esse ano homenageou o grande Paulo Leminski, o poeta brasileiro que mais conseguiu aproximar a poesia do leitor brasileiro, sem baixar a guarda de sua escrita afiada e aguçada. Leminski estava em todas as partes - saraus, casas parceiras, na praça popular, nas estantes, nas rodas de conversa, nas palestras e naturalmente, nas rodas de violão. Afinal, ele se aproximou também da música popular e se tornou um letrista de mão cheia (vide as dezenas de músicas compostas com Moraes Moreira, entre elas, "Decote Pronunciado", "Promessas Demais" e "Desejos Manifestos"; "Xixi nas Estrelas", com Guilherme Arantes, talvez a maia famosa entre elas; e tantas outras, muitas que eram versos e foram musicados, como "Dor Elegante", com Itamar Assumpção e "Verdura", com Caetano Veloso). Em Paraty, além das filhas de Leminski, Áurea e Estrela (que fazem um trabalho estupendo de preservação do legado do pai) e da viúva e mãe delas, Alice Ruiz, que participaram de conversas e oficinas durante todo o evento, estava também em outras rodas o biógrafo Toninho Vaz, que fez o ótimo "O Bandido que Sabia Latim", biografia do escritor. Infelizmente, por conta de alguns trechos do livro que desgostaram a família, eles não são convidados para um mesmo encontro/recinto. Não encontrei nem a família, nem o Toninho na Paraty lotada, mas Leminski estava no ar, no folheto na mão da criança, no sarau repleto da praça e nas inúmeras conversas, prosas e palestras em que seu nome foi proferido. Em uma delas, logo no primeiro dia, o poeta e compositor Arnaldo Antunes emocionou a plateia quando recitou e cantou Leminski, depois de dizer que conheceu a escrita dele muito antes de se conhecerem e que para ele, o poeta curitibano era um elo muito visível entre o Concretismo e a Tropicália. Sem me prender à agenda oficial, planei pelas ruas e poças a base da intuição, o que me foi muito útil. Conheci poetas na rua, troquei livros, ouvi batuques, cantorias, rituais indígenas. Na Casa Sesc, fui contemplado com uma conversa cheia de piados e cantos misteriosos da maravilhosa Tetê Espíndola, cada vez mais jovial com suas medeixas brancas reluzentes, ao lado do biógrafo Fábio Schunck, na mesa "Observação de Aves e Preservação da Natureza". Foi nesse clima de "Pássaros na Garganta" que encontrei, depois de muitos anos, o jornalista Celso Masson, ex-Veja. Horas depois, já estava na porta da Casa Folha ( e ali fiquei, pois cheguei atrasado e não consegui entrar) assistindo o magnífico Ruy Castro - sou fã de carteirinha do seu texto há décadas - numa conversa intensa sobre o seu novo livro "Trincheira Tropical" (Companhia das Letras - 2025), que destrincha a Segunda Guerra no Rio de Janeiro. Nessa de ficar um tempão na entrada do evento, fui "encontrado" pela minha colega de jornalismo da Metodista (lá se vão quase 40 anos), Marina, com seu sorriso e simpatia intactos. Com o final da palestra, vieram grandes momentos. Na fila do autógrafo, conheci o Claudio Miranda, enteado de Ziraldo, e proseamos com gosto. E na hora da dedicatória, aproveitei pra bater um papo supimpa com Ruy (apesar da longa fila de espera atrás da gente) - falamos do Joselito e de seus personagens (que ele lia na infância); do quanto ele apreciou a biografia que fiz sobre esse mesmo artista; da Ebal e o seu encontro com o artista Max Yantok - Ruy ainda menino. Estava tão extasiado com a conversa, que acabei não vendo na hora a dedicatória: "Para Marcos, nosso historiador da caricatura, abração do R.C - Paraty - 2025". Que emoção!

Depois desses momentos inesquecíveis, faltava a cereja do bolo: curtir o passeio ao lado da patroa, dos filhos e da sogra - afinal, há 30 anos atrás, cá estávamos, eu e a Cris, curtindo uma maravilhosa lua-de-mel nessa cidade tão acolhedora e cultural. O ciclo se fecha? Nem pensar...a ideia é voltar sempre que possível, de preferência em outra edição mágica da Flip (nessa, só faltou encontrar o velho chapa Belinho, que mora e trabalha na região - na próxima dá certo!)

                           Paraty, oh, Paraty!

                         Nas praças e vielas, a literatura abraça a cidade

                           
                              No recinto lotado, Tetê solta seus pássaros da garganta.

                            Eu e Cris, em Paraty, trinta anos depois.


17 de julho de 2025

Baú do seu João nº40: Manual das Mágicas por Shu Lyng


Voltando com a série 'Baú do seu João" depois de um tempão (sorry, pai!), eis um item daqueles que eu apreciava na estante de casa desde os primeiros anos da década de 1970, na minha tenra primeira infância. É uma primeira edição, publicada pela "Livraria Fittipaldi Editora" e deve ser do final dos anos 1960 (não tem referência de ano na obra). Na última capa, aparecem outros lançamentos dessa série popular vendida em banca, no estilo 'manual', como "O Mistério dos Sonhos", "Curso Completo de Rádio", "Chofer em 20 Lições sem Mestre" e até "Para Evitar a Gravidez". No miolo, ilustrado, os truques de mágicas ligeiras mais conhecidas em shows são revelados, numa seleção de 'spoiler' que deve ter feito os mágicos profissionais da época imaginarem esse tal de Shu Lyng (certamente, um pseudônimo de algum colaborador da editora) sendo serrado (pra valer) no centenário truque de "serrar uma mulher ao meio", um clássico da categoria.


11 de julho de 2025

Livrarias podem se consolidar como ponto de encontro (Coluna Mauro Calliari - Folha de S.Paulo 11/07/2025)

 O Mauro Calliari é administrador, doutor em urbanismo e escreveu o livro "Espaço Público e Urbanidade em São Paulo". Vale a pena ler o que ele acha sobre os espaços literários e porque eventos ligados a esse gênero atraem tanta gente. Concordo e é por isso que acredito nos 'saraus de bairro', em bibliotecas públicas, centros culturais e pequenas livrarias, um polo crucial para atrair novamente a vizinhança para o mundo cultural.

Livrarias podem se consolidar como ponto de encontro (Mauro Calliari )

Que os brasileiros leem pouco, parece quase senso comum. Mas estamos lendo cada vez menos. A média de quatro livros por ano é a mais baixa da série histórica. Pela primeira vez, o número de leitores ficou abaixo dos não-leitores. Isso significa não ter nem encostado em nenhum livro nos últimos três meses. Talvez esse dado não seja suficiente para levar uma passeata de protesto à avenida Paulista, mas para mim gera arrepios saber que um terço dos universitários não leu nem um trecho de livro nenhum, físico ou digital nos últimos três meses.Por isso tudo, causa espécie quando se constata a superlotação dos eventos literários. A Feira da USP leva 50 mil pessoas todo ano, em busca dos 50% de desconto. A Feira de Livro realizada no Pacaembu no mês passado estava bonita com a multidão ouvindo palestras sobre temas algo áridos sentadas no gramado como se estivessem numa praia. A Bienal do Livro do Rio de Janeiro levou 740 mil pessoas –quase dez Maracanãs lotados– para passear num verdadeiro parque do livro. A Flip vem aí e promete lotar a cidade de Paraty.

Como explicar essa aparente contradição?

A primeira constatação é que as feiras vão muito além da venda de livros. Na feira do Pacaembu, eu assisto a palestra do autor canadense que me interessou, pesco alguma história divertida, compro o livro, ganho um autógrafo e quem sabe ainda posto uma foto minha com o sujeito. De quebra, vejo gente bacana, como um pão de queijo, e pronto, o programa durou uma tarde inteira. Se estiver na Bienal do Rio de Janeiro, consigo até andar de roda-gigante.

Isso explica a estratégia das livrarias. Tudo virou experiência. Para concorrer com a compra online (que hoje já abocanhou 32% do mercado de livros no Brasil), a palavra de ordem hoje no varejo é a experiência do consumidor.

Algumas livrarias nasceram para atrair pessoas. El Ateneu, em Buenos Aires, montada num antigo teatro, é uma estrela de primeira grandeza nos guias de turismo. A Cultura do Conjunto Nacional atraía gente do Brasil inteiro, interessados na arquitetura generosa e na oportunidade de sentar perto do dinossauro. Minha preferida sempre foi o Shopping Ática, que tinha a ambição de ter todos os livros em catálogo no Brasil, acabou vendida e o prédio foi ocupado pela FNAC, até ser ocupado pela Prevent Senior.

As pequenas livrarias conseguem emular apenas parte dessa experiência, mas todas fazem bem para a cidade.

A Livraria da Vila, a Megafauna, a Martins Fontes, a Travessa, os sebos e as livrarias de bairro como a Simples, a Bibla, a Zaccara e a NoveSete, e até a Drummond, que ocupou um pedacinho do conjunto Nacional, entregam ambientes agradáveis, cafés, lançamentos, eventos e até clube de leitura.

É saudosismo? Talvez.

Livrarias fazem parte daquela categoria que o sociólogo americano Ray Oldenburg chamou de third place, ou terceiro lugar, aquele lugar privado que funciona como espaço público, onde vizinhos se encontram regularmente, como o cabeleireiro ou boteco. Nesses lugares, nunca falta assunto e as ideias ganham vida própria.

Vender livros é um business arriscado. Que haja mil livrarias e quase 5 mil farmácias no estado de São Paulo não é um acaso.

Num país em que quase 60% dos municípios não têm sequer um ponto de vendas de livros, as cidades deveriam estender o tapete para cada empreendedor que desafia a racionalidade econômica e abre uma nova livraria.

10 de julho de 2025

"Giga Superman" em São Caetano do Sul (1978)

 

Nessa semana em que as palavras mais faladas são 'taxa' (graças às estapafúrdias taxas de 50% que Trump anunciou  para vários produtos brasileiros) e "Superman', por conta da estreia em terras brasilis do novo longa do Superman dirigido por James Gunn, me deparo com essa cena icônica: a montagem de um Superman gigante em frente ao cine Vitória de São Caetano do Sul, na estreia do primeiro filme do super herói kryptoniano em 1978. Eu, do alto de meus 10 anos, fui assistir a clássica película e quase caí pra trás na fila que se formava na calçada, quando vi ao vivo essa "escultura" inflável com estrutura de madeira e capa esvoaçante. Vale ressaltar, principalmente para quem não vivenciou a época, que essas filas eram supernormais e chegavam a preencher todo o quarteirão ao redor do cinema - presenciei essas filas quilométricas em filmes como "Tubarão", "ET' e "Contatos Imediatos do Primeiro Grau", só pra ficar nas obras spielberguianas. (obs: não encontrei o crédito do fotógrafo para essa imagem - se alguém souber, por favor, me avisa e faço o devido registro).

7 de julho de 2025

"Rebobinando Memórias" com o incrível Gilberto Charada

                   Murmur a postos, na Charada - e o Gilberto, com pose de "O Pensador"

Nesse fim de semana, rolaram as primeiras filmagens do documentário "Rebobinando Memórias", produzido pela Murmur Filmes e dirigido por Jefferson Mendes, que conta a fantástica história do Gilberto e sua heroica e resiliente Charada, um misto de locadora, centro cultural e núcleo cinematográfico de resistência. Participei como um dos personagens-chave desse doc e adorei, tanto pela maneira como fui tratado pela equipe toda da Murmur, como pela oportunidade - já era em tempo - de conhecer o incrível Gilberto, que vem realizando um trabalho não só de resistência, mas de "iluminescência" cultural por décadas. Viva a Murmur, Viva Gláuber, Viva Elis, Viva Taiguara, Viva Claudete Soares, Viva os irmãos Barnabé, Viva Carlão Reichenbach, Viva Gilberto Charada!

Música de Manivela (Oswald de Andrade)


Passei em branco em junho - revisões, revisões e mais revisões - mas pra começar bem esse julho friorento, nada como um bom disco na vitrola e uma poesia para acompanhar. Essa aí embaixo, do primeiro livro de poesias de Oswaldo de Andrade, vem bem a calhar.


Música de Manivela

Sente-se diante da vitrola

E esqueça-se das vicissitudes da vida

Na dura labuta de todos os dias

Não deve ninguém que se preze

Descuidar dos prazeres da alma

Discos a todos os preços

(Oswaldo de Andrade - do livro "Pau-Brasil", de 1925)




31 de maio de 2025

"Fábulas de La Fontaine": edição ilustrada clássica da Ebal está de volta!

 

Em 1968, a Ebal (Editora Brasil -América), do visionário Adolfo Aizen, lançou com pompa e circunstância a edição de luxo "Fábulas de La Fontaine Ilustradas por Gustave Doré", chamando a atenção pela qualidade na impressão, a escolha do papel, a capa plastificada e o tamanho inusitado de 22x32 cm. Além do mais, não era uma edição em quadrinhos - a especialidade da Ebal - mas um lançamento "fora da curva", trazendo a poesia clássica de La Fontaine e as impressionantes ilustrações de Doré, numa caprichada variação de uma coletânea brasileira de 1886 com o melhor do material português, incluindo tradutores renomados. o título fez sucesso entre os leitores, o que fez com que ganhasse reedições em 1978, 1983, 1986, 1991 e 1996. Para comemorar os 80 anos da Ebal, o editor, designer e jornalista Francisco Ucha, trouxe de volta essa maravilha impressa, via campanha no Catarse. Esse lançamento é só o começo: além de um volume ilustrado com a história da Ebal ("Ebal - Uma História Ilustrada" - entrando no Catarse também), ainda há outros projetos ligados à efémeride da Ebal em produção, para lançamento até o final de 2025, com o apoio e produção de uma equipe afiada (Toni Rodrigues, Rogério Casacurta e eu) -  Aguardem!

Para colaborar ou divulgar as campanhas da Ebal, é só entrar nos links abaixo:

https://www.catarse.me/lafontaine 

https://www.catarse.me/ebal80anos